A Constituição da República de 1988 estabelece o direito ao contraditório e à ampla defesa. E essas garantias também são aplicáveis no âmbito administrativo, já que o servidor público deve ter a oportunidade de produzir prova para se defender.
TJM-MG entendeu que PM teve direito ao contraditório e ampla defesa violado Reprodução / CNJ
Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJM-MG) para anular uma sanção disciplinar aplicada a um policial militar por violar o código de ética e disciplina da corporação.
No recurso, a defesa do PM sustentou que a punição aplicada a ele foi baseada apenas em declarações de sua ex-mulher e de uma testemunha, que, na ocasião, apresentou informações contraditórias em seu depoimento. Seu advogado também alegou que o policial teve o direito à ampla defesa violado pelo fato de a Justiça ter negado pedido para arrolar testemunha.
O mesmo argumento foi apresentado à 5ª Auditoria Judiciária Militar Estadual (AJME), que suspendeu a punição. O estado de Minas Gerais interpôs recurso de apelação em que sustentou que o procedimento instaurado pela administração militar está em conformidade com as determinações legais.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador Sócrates Edgard dos Anjos, lembrou que o direito ao contraditório e à ampla defesa estão previstos na Constituição.
“Assim, em se tratando de um processo sob a égide da CR, a ampla defesa e o contraditório não podem ser entendidos como mera garantia formal, mas como a garantia que têm as partes de que participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem.”
O advogado Berlinque Cantelmo, sócio do escritório Cantelmo Advogados Associados, que representou o militar no processo, lembrou que a discricionariedade administrativa tem limites legais e principiológicos.
“O Poder Judiciário pode e deve intervir para coibir arbitrariedades e ilegalidades promovidas pelos gestores públicos, incluindo os militares”, disse Cantelmo. Processo 2000070-78.2022.9.13.0005
A lei que retoma o programa Minha Casa, Minha Vida foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (14). A Lei 14.620, de 2023, teve origem na Medida Provisória (MP) 1.162/2023, aprovada pelo Senado em junho. A cerimônia de sanção foi realizada no Palácio do Planalto na quinta-feira (13), com a presença do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, entre outras autoridades.
Criado em 2009, o programa habitacional havia sido extinto em 2020, pelo governo de Jair Bolsonaro, e substituído pelo Casa Verde e Amarela. Por meio da MP, o Minha Casa, Minha Vida foi retomado no início de 2023.
Benefícios
O programa atenderá famílias com renda mensal de até R$ 8 mil, em áreas urbanas, e de até R$ 96 mil ao ano, na zona rural. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, também em junho, com alterações. Uma delas é a permissão do uso de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para projetos de iluminação pública, saneamento básico, vias públicas e drenagem de águas pluviais.
Pelo menos 5% dos recursos do programa deverão ser aplicados no financiamento para a retomada de obras paradas, na reforma ou requalificação de imóveis inutilizados e na construção de habitações em cidades de até 50 mil habitantes. Outra mudança é o desconto de 50% na conta de energia de quem for inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
Operações
A lei acaba com a exclusividade da Caixa Econômica Federal como operadora do Minha Casa, Minha Vida. Com a mudança, bancos privados, digitais e cooperativas de crédito poderão operar no programa, desde que forneçam informações sobre as transferências ao Ministério das Cidades, com identificação do destinatário do crédito, e comprovem que têm pessoal técnico especializado, próprio ou terceirizado, nas áreas de engenharia civil, arquitetura, economia, administração, ciências sociais, serviço social e direito.
Vetos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou trecho da lei, incluído pelo Congresso, que obrigava as distribuidoras a comprar o excedente de energia produzida pelos painéis solares instalados nas casas populares. O governo entendeu que haveria problemas na execução da compra de energia.
Também foram vetados trechos que previam o seguro estruturante e descontos em taxas cobradas pelos cartórios em operações com recursos do FGTS. O seguro foi incluído na Câmara dos Deputados e estabelecia que as construtoras que atuam no programa contratassem a cobertura de eventuais danos na estrutura das casas. A avaliação é que essa obrigatoriedade traria mais custos aos projetos.
Outro trecho vetado é o que previa a obrigatoriedade de estados, o Distrito Federal e municípios, quando produzissem novas habitações de interesse social, promoverem dentro de 180 dias a inserção completa dos dados das famílias no cadastro para registro das informações dos contratos de financiamento habitacional, ativos e inativos, firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação e dos programas habitacionais e sociais do governo federal. Segundo o Executivo, essa medida criaria nova obrigação aos entes federados, sem definição de parâmetros adequados.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
O dever do Estado de promover políticas públicas, disponibilizar serviços aos cidadãos e garantir direitos existenciais mínimos pressupõe a busca por fontes de custeio, sendo a principal delas a arrecadação tributária.
Esse poder de exigir dinheiro dos contribuintes é controlado por normas e regras específicas no intuito de afastar eventual abuso dos governantes. Chamo a atenção para o princípio da legalidade. Ou seja, qualquer imposição de tributos requer a aprovação prévia do Poder Legislativo, com antecedência razoável, dentre outros requisitos que atuam para limitar o impulso arrecadatório estatal. Assim funciona o regime de direito público. Nada pode ser feito se não estiver previsto no ordenamento jurídico.
Depois de as regras serem estabelecidas em lei, de forma abstrata, cabe ao fisco ir atrás dos impostos, taxas e contribuições, obrigatoriamente, sendo proibido, por óbvio, deixar de cobrar de um ou de outro por decisão arbitrária. Primeiro, porque a receita pertence a toda sociedade que integra o ente federativo. E, segundo, por uma questão de isonomia.
Mas a lei – sempre ela – abre a possibilidade de o Estado abdicar de parte da arrecadação. Existem, assim, os chamados incentivos fiscais, as isenções, desonerações tributárias, dentre outros institutos que importam em renúncia de receitas e podem ser criados, justamente, para estimular a economia, fomentar setores e preservar empregos. Observadas as condicionantes legais, em especial os preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Art.14), a concessão ou ampliação da renúncia é lícita e serve como relevante ferramenta de governo.
E foi exatamente esse o tema que levou o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) a suspender, no dia 21 de junho, a sessão que analisava as contas anuais do Governo do Estado de São Paulo relativas ao exercício de 2022. O Plenário decidiu solicitar mais dados e documentos sobre a renúncia fiscal, adiando a decisão pela primeira vez na história. A análise foi concluída na semana seguinte, dia 28 de junho, com a emissão de um parecer favorável, porém ressalvando o tema, porque os sete Conselheiros que compõem o colegiado entenderam que o Estado não enviou números e informações suficientemente detalhadas. Essa percepção não é de hoje, e vem sendo observada há muito tempo.
Desde 2017, os pareceres emitidos pelo TCESP insistem na necessidade de o Governo do Estado ser mais proativo e transparente, para que as equipes de fiscalização do órgão de controle externo tenham acesso às informações, mas esbarra em uma alegação de “sigilo fiscal”. Quando fui relator das contas referentes ao exercício de 2020, registrei em meu voto a necessidade de se ter condições de mensurar os impactos da renúncia na atividade econômica e nas finanças públicas. Entre as 128 determinações constantes de meu voto, acolhido pelo Pleno em 23 de junho de 2021, destaco as duas abaixo, destinadas à Secretaria da Fazenda e Planejamento:
64. Revise os normativos propostos no âmbito do Plano de Ação, por meio da Ação D.3, aperfeiçoando-os de forma que neles se distribuam competências e se regulamentem as atividades de estimação da fruição de benefícios tributários e cálculo da renúncia de receitas incorrida, bem como para as atividades de projeção das renúncias para os exercícios futuros e a produção dos demonstrativos requeridos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Constituição Federal, considerando todos os benefícios de todos os tributos, individualizados por ato concessório, incluindo a elaboração de um anexo metodológico e o registro das memórias de cálculo da estimação apresentada;
65. Aprimore os Demonstrativos de estimativa e compensação das renúncias de receitas, incluindo todos os tributos estaduais e todas as modalidades de renúncia elencados na Lei Complementar nº 101/2000, cuidando para que haja o mínimo indispensável de informações ocultadas em virtude de sigilo fiscal;
Apesar de alguns avanços desde então, a atividade de controle externo continua com dificuldades de verificar se há obediência ao princípio da legalidade e se há efetividade nos resultados decorrentes de benefícios concedidos pelo Estado a contribuintes e categorias determinadas.
O que a sociedade paulista têm de saber, primeiro, é quanto, exatamente, o Estado deixa de arrecadar, no total, em razão da renúncia fiscal. Para que se tenha uma ideia da dimensão desse montante, a estimativa do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado pelo Executivo à Assembleia Legislativa é que, em 2024, deixarão de ser cobrados R$ 58 bilhões em ICMS e outros R$ 5 bilhões em IPVA.
Também precisamos saber como são produzidos os estudos que projetam o impacto orçamentário-financeiro e quem toma ou deveria tomar a decisão relativa à concessão do benefício.
Por fim, é essencial que o TCESP possa verificar quem são, principalmente, as pessoas jurídicas beneficiárias, e em que medida. Ainda que os dados específicos envolvam “sigilo fiscal”, isso não pode impedir um órgão de controle de exercer sua competência constitucional. O acesso aos dados por parte do fiscalizador não significa ruptura do sigilo. O objetivo é entender a motivação e fundamentação do ato administrativo, para atestar se essas renúncias, de fato, foram criadas para atingir finalidades sociais relevantes.
Nesse contexto, é preciso lembrar do princípio da escassez e seu diálogo com a equação custo-benefício. A dispensa de uma obrigação tributária impõe rigor e justificativa do ponto de vista do interesse público, uma vez que os recursos estatais têm como prioridade suprir direitos fundamentais em áreas básicas e sensíveis. Todo recurso que deixa de entrar nos cofres do Estado deve ter destino mais relevante e melhor resultado do que teria caso fosse recolhido e aplicado diretamente em ações de custeio ou investimento. E isso precisa ser demonstrado para o TCESP e para todos os paulistas.
*Dimas Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.